quarta-feira, 26 de maio de 2010

A questão da Veja

... ou porque eu não acho tão grave assim o que a Veja colocou na capa.

A revista Veja, da Editora Abril, trouxe na capa o título "A Confissão da Bruxa", sobre a promotora de Justiça que maltratou sua filha adotiva. Muitos se sentiram ofendidos pela conotação negativa que a palavra bruxa assumiu no contexto e classificaram a ação como preconceito religioso.

Penso que a Veja (e seus editores, porque veículos de comunicação são produzidos por pessoas) foi infeliz na escolha das palavras. Mas, dentro do contexto da reportagem, que faz a relação da mulher com as vilões de contos de fadas, faz sentido.

Classificar o episódio como preconceito religioso é um exagero. A Veja não é a primeira, nem a única e nem a última a usar a palavra bruxa dentro desse contexto. A sociedade ocidental usa o mesmo termo, dentro das mesmas conotações, desde a Idade Média, quando as bruxas eram as mulheres escolhidas como bode expiatório dos problemas das comunidades feudais.

Por que a Veja, uma revista cuja linha editorial segue a ideologia dominante, se preocuparia com as percepções religiosas de um pequeno grupo de pessoas? Sim, somos pequenos. Não tão pequenos quanto éramos há 20 ou 10 anos, mas comparados com as religiões cristãs dominantes, somos um pequeno grupo religioso que não tem voz para ser ouvida e que não tem órgãos representativos para isso.

Entre nós, neopagãos, o único órgão representativo é a Abrawicca. E a voz da Abrawicca não é a minha, porque eu não sou wiccana. E eu não creio que outras vertentes neopagãs, esparsas e diferentes entre si, possam se organizar politicamente ao ponto de influenciar a grande mídia.

Além disso, me peguei pensando em nossos conceitos de bruxaria. Será que nós somos mesmo bruxos? Sou contrária ao uso do termo bruxaria relacionado à religião. Para mim, bruxaria e feitiçaria não são, necessariamente, sinônimos. E, ainda mais, não devem ser tratados como sinônimos de neopaganismo ou de Wicca. Bruxaria é uma prática medieval que nada ou pouco se assemelha ao que as religiões neopagãs fazem hoje. Então, será que temos mesmo meios de nos identificarmos com a figura da bruxa e nos ofendermos quando o termo é usado fora de nossos próprios contextos?

Por esses motivos, não fiquei ofendida pela capa da Veja. A revista apenas transmite um conceito e um pré-conceito que estão aí há algumas centenas de anos. Entendo o trabalho de algumas pessoas em tirar a conotação negativa da palavra, mas mentalidades instituídas há tanto tempo não serão modificadas em 10, 15 ou 20 anos. E também não podemos esperar nenhuma novidade ou inovação por parte da chamada grande mídia.

8 comentários:

Unknown disse...

E digo mais uma coisa... brigar com esse tipo de ideia é uma coisa quase inglória... De qqer forma, eu fico pensando se os evangélicos se mobilizaram de alguma forma quando encontraram os tantos mil dólares dentro da bíblia dos "apostólos" no aeroporto... uma coisa do tipo: todo evangélico esconde dinheiro... e por aí vai... se a gente for brigar com cada coisinha, estamos lascados. Agora, esclarecer, sim, pq não? Aliás, acho que um dos propósitos desse blog é cada vez mais deixar claras quais são as ideias da Bruxaria Italiana, em suas mts formas, neopagãs, pagãs ou não...

Jota Olliveira disse...

Eu mesmo, desde que sai da Wicca venho me questionando a que ponto podemos utilizar o termo brux@. Acho que bater nessa tecla é meio como brigar contra o símbolo da Suástica que por mais antigo e "pacífico" possa ser em culturas antigas, se tornou um emblema de discriminação. E embora adeptos de x culturas possam utilizá-la isso não tira, da mente ocidental, todo o "mal" que ela carregou e vem carregando através dos movimentos neo-nazistas. E além disso, apesar de não ter base para argumentar, acho que vale a pena rever historicamente o utilização do "título" de Brux@. Os antigos se denominavam assim? Fico na dúvida.

Unknown disse...

Diz pruma senhorinha italiana que ela é uma strega pra ver o que te acontece hahahahahaha

S. Thot disse...

Como wiccano me pergunto não sobre a repercussão que coisas assim trazem. Afinal, mesmo que achem dinheiro em cuecas e que se corrompam pessoas para fazer vista grossa em vistorias de templos, são cristãos.

Quando se põe a palavra bruxa e se associa uma mulher deste calibre a tarólogos e religiosos, é temerário.

Como canta uma banda que gosto "é somente mais uma pedra no muro".

Unknown disse...

Insisto que se nos tratarmos como minorias, seremos exatamente isso...

Além disso... acho que as coisas ficam no que é simples e menor, mas que faz sentido pra gente... como não comprar a Veja... só fico pensando se toda a vez que formos ler um conto-de-fadas vamos ter que fazer um prólogo que não necessariamente bate com o nosso tempo. Somos brux@s, neopagãos e pronto...

Guilherme Bacellar Moralez disse...

Olá.

Concordo com você em muitos aspectos, mas, se nunca falarmos nada e nunca mostrarmos nossa indignação, seremos sempre tratados como láicos perante a sociedade.

Temos deveres e direitos e são esses direitos que devem ser respeitados.

Unknown disse...

Preferível ser tratado como laíco e leigo do que ser presuposta como cristã, por exemplo...

E isso é uma coisa que vemos refletido em mts locais, dado que o catolicismo é a religião oficial do estado.

Concordo em número, gênero e grau de que não queremos ser tratados por uma coisa que não somos... só fico efetivamente me perguntando até que ponto nossas ideias são murro em ponta de faca.

Insisto que acredito que devemos esclarecer certas coisas sim - vide o meu posting sobre Páscoa, Easter e Pessach - afinal de contas, a História fala muito mais alto que a religião...

Mas uma coisa que eu julgo absoluta é a espiritualidade. Independentemente de como seja, ninguém pode tirar nossa espiritualidade de nós, seja com que nome seja...

Filhote de Lua disse...

E acho que mais importante - a Veja tem feito uma série de reportagens falando coisas horríveis e mentirosas sobre os povos indígenas, por exemplo, e eu não vi o povo que se ofendeu com essa matéria fazer algo a respeito (o pessoal do xamanismo se mobilizou um bocado). Ué, mas se vc tem uma prática religiosa focada com a terra e se ofendeu com algo tão bobo quanto a veja chamar a mulher lá de bruxa, porque não se ofendeu com as mentiras sobre os nossos povos nativos?

Será que o pessoal neo pagão não está, de novo, atirando pedra na direção errada?