quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A relação de Deméter com a comida

Segundo post da série sobre culto a Deméter. Para conferir o primeiro, clique aqui.

Fazer pão sempre foi parte das minhas oferendas e do meu culto para Deméter. Primeiro, porque Ela é a Deusa que ensina a humanidade a isso. Segundo, porque seu principal domínio é o alimento. Além de tudo o que eu falei na primeira parte desta série, Deméter é essencialmente a deusa da comida.

Na Grécia Ela é - ou era- a Senhora dos Trigais. Ela é a mãe do trigo, a responsável pelo seu crescimento. Seu cabelo é retratado como dourado, por essa ser a cor do trigo maduro. E se pensarmos em uma sociedade na qual uma das bases da alimentação era o trigo, faz muito sentido ele ser identificado com uma divindade maternal e provedora.

Aqui no Brasil nós temos uma produção de trigo pequena, se comparada a outros países, concentrada na Região Sul. O clima frio de lá é o único no qual a planta se adapta por aqui. O trigo precisa de um tempo não muito quente, nem úmido demais, e por isso não se desenvolve em outras regiões do país. Então, em uma terra como a nossa, não acho errado cultuá-la como a senhora de todos os grãos, não só do trigo. Principalmente porque a base da nossa alimentação, o arroz e o feijão, são grãos.

Minhas oferendas para ela já comportaram soja, feijão, arroz e milho. E, sempre que possível, carne de porco, já que esse era seu animal sagrado. Segundo Karl Kereny em seu livro "Archetipical Images of Mother and Daughter", sobre os Mistérios de Eleusis, a purificação dos iniciandos era feita com sangue de porco e, depois de morto, o animal era assado e todos compartilhavam da carne. Tem relatos que contam que o templo de Deméter cheirava a carne assada.

Por isso eu sempre prezo pelo alimento nas oferendas de Deméter. E sempre que eu faço pão em seu nome, eu dou para as pessoas comerem. Se eu abro uma cerveja para Ela, separo um copo (que depois eu despejo na terra) para o altar, e o resto eu tomo. Evito ao máximo o desperdício nas oferendas de Deméter. Não acho que a deusa gostaria disso.

Para aqueles que estão começando uma aproximação com essa deusa, eu indico começar pela comida. Agradecê-la na hora das refeições é um primeiro passo. Lembrar Dela quando for cozinhar é outro. Oferecer um gole da sua cerveja para a deusa - pode ser a de cevada mesmo - também é uma boa forma de começar.

O que eu coloquei aqui é apenas um começo. Para se aprofundar no assunto, eu indico o capítulo sobre as deusas mães do livro "O Poder do Mito", de Joseph Campbell.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Uma estada perto do Mar


Florianópolis, em Santa Catarina, certamente não é chamada de Ilha da Magia a toa... é um lugar absolutamente lindo. Onde o mar encontra terra verdejante e descansa os olhos da gente. Ali, eu vi dunas de areia. Eu vi águas transparente e seus peixes. Vi trilhas e árvores e cachoeiras... e um caminho que parecia mágico, daquele de bosques antigos que talvez sonhemos de outras vidas.

Eu vi o mar subir em pedras, o que me fez pensar em Netuno subindo as terras mediterrâneas.
E vi as espumas do mar decorando a areia, e pensei em Tethys recebendo Deuses em seu seio de carinho e cuidado. Vi Gaia se espalhando em montanhas. Vi Ares, inclusive, em faróis militares e em ruínas de fortes.

Vendo tudo isso, dá para entender com clareza como é que os nossos ancestrais efetivamente se relacionavam com os Deuses. Porque Eles estão, em sua maioria, revelados. Ali, manifestados naquilo que podemos ver... e melhor, sentir.

Eu sai de águas imensas pensando em Afrodite nascendo das espumas do mar. E como esse amor e esse acordar das águas traz novas ideias, perspectivas, planos e sentimentos.

Não tenho medo do mar. Mas eu sei até onde ir... e, em alguns momentos, aceito os caldos que ele dá. Porque eu acho que é assim que a gente se relaciona com Eles. Estando junto e presenciando e experimentando o que são.

Do sol que queima a pele... mas que aquece o corpo.
Do mar que limpa...
Da terra que absorve.

Ilha da Magia... magia dos Deuses que se mostram em Terra Brazilis.

Quem é Deméter?

Primeiro post da série. Espero que gostem. Só que está um pouco grande...

Quando Deméter entrou na minha vida, em 2007, eu não sabia direito quem Ela era e não entendi, a princípio, porque uma deusas dessas ia estar comigo. Assim como a maioria das pessoas, eu atribuía à Deusa apenas atributos maternais que não tinham lugar na minha vida aos 21 anos. Mas aos poucos eu fui conhecendo a divindade, seus diversos atributos, suas formas de culto, suas oferendas... e assim eu entendi que, realmente, temos muito em comum.

Apesar de sempre lembrarmos do mito do rapto de Kore, um episódio que reforça o caráter materno de Deméter, essa não é sua única característica. A chave para entende-La é, na verdade, o pensamento de que Ela é uma deusa da terra e a patrona da agricultura. Por conta disso, ganha atributos de mãe: porque Ela é a terra fértil e cultivada que fornece o alimento dos humanos. Por isso seu nome significa, literalmente, Deusa-Mãe - das raízes Da, Deo ou Do, Deusa, e do sufixo Meter ou Mater, Mãe.

Foi Deméter quem ensinou Triptolemos a cultivar o trigo e a fazer o pão, e foi em seu carro puxado por serpentes que ele andou pelo mundo repassando seu conhecimento às pessoas pelo mundo. Por isso, é graças à deusa e sua benevolência que os mortais deixam de ser nômades e, assim, começam a constituir cidades e sociedades - já que, com a agricultura, eles não precisavam ficar se mudando toda hora em busca de comida. Por isso, Ela também é considerada uma deusa civilizatória, mesmo tendo uma intrínseca relação com a vida campestre por seus atributos agrícolas.

Atributos, esses, que ela não perde mesmo nos cultos urbanos, por ser uma deusa da terra. Com isso, podemos ter uma outra interpretação do mito do rapto de sua filha. Ele nos mostra claramente a transformação da plantação durante os vários períodos do ano: primeiro ela é a semente escondida na terra, que transforma-se em broto, amadurece e é colhida. Essa é a alegoria chave já que Kore, retorna na Primavera como o broto do trigo e vai para o Hades, no final do Verão, como a planta que é colhida e, portanto, morta. Mas como a agricultura - e a vida - consiste em ciclos, fica sua semente, que permite que ela seja plantada novamente e que tudo volte. Por isso Kore-Perséfone vai e volta, todos os anos, da Mãe para o marido, do marido para a Mãe.

Além dos seus ciclos com Kore-Perséfone, Deméter tem um papel importante como uma das Crônidas, os seis filhos de Cronos e Rhea. Ela é uma das mais velhas, nascendo logo após Héstia e antes de Hera. Para mim, as irmãs representam os três aspectos essenciais da constituição do genos (família) na maioria das pólis da Grécia: Ancestralidade (Héstia), Maternidade (Deméter) e Casamento (Hera). Porém, por ser uma deusa solteira, que toma consortes mas não se casa com eles, ela mantém uma certa independência que Hera não tem, e quem nem mesmo Héstia, que abdica do casamento e do sexo, possui.

Outra característica marcante de Deméter nesse aspecto é sua soberania. Ela é uma mãe de muitos filhos, inclusive de descendentes de dois reis entre os deuses, Zeus e Posídon. Além disso existe o romance famoso com o agricultor Iasion (que alguns autores dizem ser, na verdade, o herói Jasão), que gerou Pluto, o deus da riqueza. Mas, em nenhum momento, existe a citação ou a intenção de casamento entre Ela e seus amantes. Deméter é o tipo de mãe que entende os filhos como dela, não dos pais. Ela gera, alimenta, dá a luz e cria sem a interferência masculina - só na concepção. Há, ainda, um traço de características de deusas da soberania da terra, porque ela pode ser amante, pode gerar filhos dos reis, pode dar sua filha em casamento a outro rei, mas ela não se submete totalmente a nenhuma deles.

Portanto, Deméter é uma divindade da terra, da fertilidade, patrona da agricultura. É, ainda, fortemente associada à maternidade e à soberania da terra, que mesmo explorada pelo agricultor não é completamente domada. E é uma deusa de muitos epítetos e muitos domínios.

O culto a Deméter era essencial em diversas cidades gregas (como Atenas, por exemplo) e depois foi instituído em roma, quando Ceres foi associada à deusa grega. Os ritos públicos garantiam a sobrevivência do estado e garantiam que não haveria uma grande estiagem ou uma grande fome. Alguns rito, apenas para mulheres, eram voltados para os atributos de fertilidade e maternidade. E haviam, ainda, os ritos de mistérios - que são um post à parte nessa série.

Eu já fui questionada sobre o meu culto, sobre o por quê ser devota de uma divindade agrícola morando numa cidade como São Paulo. Apesar de não vermos, nós dependemos do que vem do campo. Mesmo que a gente compre cereais integrais em sacos plásticos no mercado, eles vieram de algum lugar que tinha terra e foram plantados em algum momento. Além disso, se pensarmos em Deméter como a deusa que possibilita a criação das civilizações sedentárias, nós não estamos errados em cultuá-las nas nossas cidades.

Vejo em Deméter muitos atributos que pagãos buscam na Grande Mãe cultuada pela Wicca, e até atributos de outras deusas da terra, dos panteões gregos e romanos e até de outras culturas, como a celta e a africana. Não estou dizendo que todos devem cultuá-la, obviamente, mas que ter essa visão nos ajuda a compreender os ciclos da terra e a necessidade de honrarmos uma deusa mãe, independente de qual for.

Fiz uma lista de mitos interessantes de Deméter. Coloquei os links do Theoi Project que, apesar de ser em inglês, é a fonte mais confiável na internet.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Nova série de posts - Trabalhando com Deméter

Há algum tempo atrás, eu prometi no meu blog pessoal que iria falar mais do culto a Deméter/Ceres. Isso é coisa rara de encontrar, experiências pessoais de devotos de Deméter. Mas ficou só na promessa... só que eu acho que já é hora de reavivar isso, e que o melhor lugar para esses posts é aqui. Tem mais visibilidade, pode ajudar mais pessoas. E além disso não cabe no meu outro blog, o Escrito em Ametista, que tem uma proposta diferente.

Com isso decidido, passei dias pensando no que escrever até que estabeleci o roteiro. Por isso estou fazendo este post inaugural: quero que vocês conheçam o roteiro e deem sugestões. Inicialmente, pensei nas seguintes pautas:

1 - Quem é Deméter e porque cultuá-la
2 - Fazer pão e a relação da deusa com a comida
3 - Oferendas para Deméter
4 - Ritos privados e ritos públicos
5 - A questão do mistério
6 - A relação Deméter/Ceres

Que tal? Sugestões? Aguardem que em breve eu solto o primeiro.

Só deixando claro, esses textos se baseiam na minha experiência. Lógico que eu estudo bastante sobre a deusa e sobre suas formas de culto, mas tem coisas que você só aprende e vive na prática. Por isso, outros pagãos podem ter experiências diferentes das minhas ou pensar de maneira diferente, mas eles não estarão errados. Nem eu.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Saturnália - nosso rito

Quase um mês depois, estou voltando para falar da minha Saturnália.

Desculpem a demora. Mas fim de ano é corrido no trabalho, aí eu saí de férias, aí eu usei essa semana para acertar a vida (no trabalho, nas minhas aulas de dança, etc). Conclusão: só consegui postar agora.

Foi uma celebração muito alegre e muito boa. Todo mundo que estava presente gostou e se divertiu, e era esse o espírito que eu queria levar para a coisa. Bebemos muito vinho e rimos muito!

Como era uma festival com vários deuses, não só com Saturno, eu montei o altar dele em um cantinho, fora do altar principal, para não misturar energias. Eu coloquei uma imagem dele, que imprimi da internet e encaixei num porta-retrato. É uma gravura mostrando o deus em um nicho, com o escrito SATVRNVS em cima, carregando uma foice. É bem legal e bem romana.

Coloquei, também, uma imagem de São Longuinho, por sua relação com aquele lance de Cronos ser o hermitão e ancião. Peguei essa ideia de um blog que agora eu não lembro qual é, mas se achar eu indico. Além disso a Pietra, fez uma cornucópia para mim, que eu enchi de uvas - já que ele é relaciona a colheita da uva. Eu coloquei também vinho, uma máscara, uma foice (eu tenho duas, uma para Saturno e outra para Deméter) e um símbolo fálico esculpido para mim pela Sarah. E os presentes de Saturnália do povo, que eram velas coloridas e incensos. Como os romanos tinham costume de se presentar com velas e bonecas de cera nesse festival, eu tive essa ideia para manter a tradição.

O melhor de tudo foi ver que, no começo, todo mundo estava com aquela cara séria de "Uh, ritual para Cronos". Pessoal tem medo dele, sabe? Mesmo que eu falasse que o lance ia ser outro, já que Saturno não tem aquela seriedade que Cronos tem e que é um deus muito mais cabeça fresca, ninguém botou uma fé. Até que, conforme íamos trabalhando o deus dentro do rito, as pessoas começaram a rir mais alto, falar mais alto, beber e fumar mais e finalmente eles perceberam o que eu estava querendo dizer: que Saturno é um deus que nos liberta de padrões e que gosta de festa, beberagem, comilança e risadas.

Foi uma excelente celebração e com certeza vou fazer de novo neste ano!

Só vou ficar devendo a foto... ninguém fotografou o ritual! Mas tenho fotos da imagem do meu altar com os presentinhos. Assim que meu celular resolver conectar com o bluetooth do computador, eu posto.