sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Quem é Deméter?

Primeiro post da série. Espero que gostem. Só que está um pouco grande...

Quando Deméter entrou na minha vida, em 2007, eu não sabia direito quem Ela era e não entendi, a princípio, porque uma deusas dessas ia estar comigo. Assim como a maioria das pessoas, eu atribuía à Deusa apenas atributos maternais que não tinham lugar na minha vida aos 21 anos. Mas aos poucos eu fui conhecendo a divindade, seus diversos atributos, suas formas de culto, suas oferendas... e assim eu entendi que, realmente, temos muito em comum.

Apesar de sempre lembrarmos do mito do rapto de Kore, um episódio que reforça o caráter materno de Deméter, essa não é sua única característica. A chave para entende-La é, na verdade, o pensamento de que Ela é uma deusa da terra e a patrona da agricultura. Por conta disso, ganha atributos de mãe: porque Ela é a terra fértil e cultivada que fornece o alimento dos humanos. Por isso seu nome significa, literalmente, Deusa-Mãe - das raízes Da, Deo ou Do, Deusa, e do sufixo Meter ou Mater, Mãe.

Foi Deméter quem ensinou Triptolemos a cultivar o trigo e a fazer o pão, e foi em seu carro puxado por serpentes que ele andou pelo mundo repassando seu conhecimento às pessoas pelo mundo. Por isso, é graças à deusa e sua benevolência que os mortais deixam de ser nômades e, assim, começam a constituir cidades e sociedades - já que, com a agricultura, eles não precisavam ficar se mudando toda hora em busca de comida. Por isso, Ela também é considerada uma deusa civilizatória, mesmo tendo uma intrínseca relação com a vida campestre por seus atributos agrícolas.

Atributos, esses, que ela não perde mesmo nos cultos urbanos, por ser uma deusa da terra. Com isso, podemos ter uma outra interpretação do mito do rapto de sua filha. Ele nos mostra claramente a transformação da plantação durante os vários períodos do ano: primeiro ela é a semente escondida na terra, que transforma-se em broto, amadurece e é colhida. Essa é a alegoria chave já que Kore, retorna na Primavera como o broto do trigo e vai para o Hades, no final do Verão, como a planta que é colhida e, portanto, morta. Mas como a agricultura - e a vida - consiste em ciclos, fica sua semente, que permite que ela seja plantada novamente e que tudo volte. Por isso Kore-Perséfone vai e volta, todos os anos, da Mãe para o marido, do marido para a Mãe.

Além dos seus ciclos com Kore-Perséfone, Deméter tem um papel importante como uma das Crônidas, os seis filhos de Cronos e Rhea. Ela é uma das mais velhas, nascendo logo após Héstia e antes de Hera. Para mim, as irmãs representam os três aspectos essenciais da constituição do genos (família) na maioria das pólis da Grécia: Ancestralidade (Héstia), Maternidade (Deméter) e Casamento (Hera). Porém, por ser uma deusa solteira, que toma consortes mas não se casa com eles, ela mantém uma certa independência que Hera não tem, e quem nem mesmo Héstia, que abdica do casamento e do sexo, possui.

Outra característica marcante de Deméter nesse aspecto é sua soberania. Ela é uma mãe de muitos filhos, inclusive de descendentes de dois reis entre os deuses, Zeus e Posídon. Além disso existe o romance famoso com o agricultor Iasion (que alguns autores dizem ser, na verdade, o herói Jasão), que gerou Pluto, o deus da riqueza. Mas, em nenhum momento, existe a citação ou a intenção de casamento entre Ela e seus amantes. Deméter é o tipo de mãe que entende os filhos como dela, não dos pais. Ela gera, alimenta, dá a luz e cria sem a interferência masculina - só na concepção. Há, ainda, um traço de características de deusas da soberania da terra, porque ela pode ser amante, pode gerar filhos dos reis, pode dar sua filha em casamento a outro rei, mas ela não se submete totalmente a nenhuma deles.

Portanto, Deméter é uma divindade da terra, da fertilidade, patrona da agricultura. É, ainda, fortemente associada à maternidade e à soberania da terra, que mesmo explorada pelo agricultor não é completamente domada. E é uma deusa de muitos epítetos e muitos domínios.

O culto a Deméter era essencial em diversas cidades gregas (como Atenas, por exemplo) e depois foi instituído em roma, quando Ceres foi associada à deusa grega. Os ritos públicos garantiam a sobrevivência do estado e garantiam que não haveria uma grande estiagem ou uma grande fome. Alguns rito, apenas para mulheres, eram voltados para os atributos de fertilidade e maternidade. E haviam, ainda, os ritos de mistérios - que são um post à parte nessa série.

Eu já fui questionada sobre o meu culto, sobre o por quê ser devota de uma divindade agrícola morando numa cidade como São Paulo. Apesar de não vermos, nós dependemos do que vem do campo. Mesmo que a gente compre cereais integrais em sacos plásticos no mercado, eles vieram de algum lugar que tinha terra e foram plantados em algum momento. Além disso, se pensarmos em Deméter como a deusa que possibilita a criação das civilizações sedentárias, nós não estamos errados em cultuá-las nas nossas cidades.

Vejo em Deméter muitos atributos que pagãos buscam na Grande Mãe cultuada pela Wicca, e até atributos de outras deusas da terra, dos panteões gregos e romanos e até de outras culturas, como a celta e a africana. Não estou dizendo que todos devem cultuá-la, obviamente, mas que ter essa visão nos ajuda a compreender os ciclos da terra e a necessidade de honrarmos uma deusa mãe, independente de qual for.

Fiz uma lista de mitos interessantes de Deméter. Coloquei os links do Theoi Project que, apesar de ser em inglês, é a fonte mais confiável na internet.

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