Não sou especialista em cozinha. Mas quando vi
essa blogagem coletiva eu tinha que falar a respeito aqui no Stregueria Prática.
Minha cozinha é uma cozinha bem bruxa. É nela que está o altar para os Lare, para os ancestrais e para os espíritos da casa.
É ali que aplacamos o humor quando alguém do
Belo Povo decide que nossa casa é um parque de diversões, ou por algum motivo chega indignado azedando nosso leite, é ali que acendemos velas e incenso quando dos aniversários e das mortes. É ali que ficam nossas alianças.
Ao lado do meu fogão, há uma oração para Héstia. Para lembrar que a cozinha é o coração da casa, mesmo quando ela é, como a minha, um corredor de meio metro de largura.
Quando corro o pano sobre o balcão para deixar brilhante o granito, penso em como é urgente um forno para cumprir com a natureza dessa pedra que pede que sovemos a massa sobre ela.
Em cima do forno de microondas, temos pacotes e pacotes de chá de todos os tipos. Assim, são remediadas cólicas, ressacas, dores de estômago, tudo o que nosso povo precisar. Embaixo do balcão de pedra e tijolos, secamos ervas. Poejo, hortelã, ervas de tempero e remédio, e também guiné e arruda para banhos e defumações.
Atrás da geladeira, temos uma penca de pimentas. Agora, no começo do ano, vou queimar na fogueira as pimentas velhas e colocar um novo fio vermelho atravessado de malaguetas frescas, que durante o ano vão secando e eu vou usando quando é preciso uma defesa.
Sobre a pedra fria do balcão, preparo pequenos feitiços e bebo com meus amigos. Mais que tudo, preparo sangria, fazendo a magia de transformar mel, vinho e laranjas em risadas. Faço magia e enredo encantos enquanto misturo limão e mel, e diluo lento no vinho.
Sobre a geladeira, um gremlim faz as vezes de pinguim de geladeira, e um dragão azul a seu lado guarda a cozinha com seus olhos brilhantes e suas asas abertas.
Ao lado da despensa, descansa a forma serpentina da imagem do Agatho Daemon. E observam nossas vidas Coiote, Lobo e Beija Flor, relembrando que esta cozinha não é minha, é nossa.
Fervo água para por na bolsa de água quente para o gato doente, queimo sal na boca do fogão quando meu filho tem febre. Quando cai um garfo no chão, repito "Vai vir um homem, que venha para o bem, se for para o mal, que fique onde está." (e o mesmo para uma mulher quando cai uma colher). Guardo anil junto com a resina de incenso e preparo sopa para os amigos na madrugada.
Rezo a panela de pipoca para que ela estoure mais. Repetimos o nome de três fofoqueiros, batendo os dedos na tampa da panela. O saci se distrai ouvindo as fofocas e não tem tempo de fazer com que o milho vire piruá.
E é assim que as pessoas vão se ajeitando em volta, ficando por aqui, e como em noites de chuva e madrugadas tristes, eles sabem que ao pé dessa cozinha, todos encontrarão abrigo, e como em noite de riso e dias de sol, eles sabem que encontrarão paz e risadas.
Uma cozinha bruxa. Que se constrói ainda, que ainda é inexperiente e bagunçada, e que um dia ainda será muito melhor.