segunda-feira, 23 de maio de 2011

Os espíritos da cidade

Eu ia escrever sobre isso no Depois da Dança, que o blog da minha prática religiosa. Mas por muitas razões, embora eu ache que ainda deva escrever lá sobre isso, acho que é um ponto interessante para explorar aqui.

A própria natureza da palavra neopagão faz com que as pessoas associem a bruxaria e os caminhos ligados ao politeísmo com o campo e a natureza. E eu percebo que muita gente acaba renegando a possibilidade de que a cidade tem sua própria magia.

Poucos dias atrás, estávamos em Paranapiacaba para a 8ª Convenção de Bruxas e Magos. Um lugar plural e múltiplo onde se encontra de tudo e que eu gosto muito de ir. Mais do que só as palestras, círculos e workshops, existe a vila. A vila pulsa com uma alma muito própria. A história de Paranapiacaba, sua insistência em não se deixar morrer, as paixões que a vila inspira, não me permitem esquecer que ela tem uma alma muito forte. Embora esteja no meio da serra, existe uma urbanidade intensa ali, uma pulsação da visão que se tinha de como deveria ser uma cidade.

Existe um conceito romano que é o Genius Loci. O espírito do lugar. Um deus local que está ligado a um lugar, protegendo e zelando por ele. Tanto para gregos como para romanos (assim como para muitas religiosidades orientais), todo lugar tem um espírito. E como lidamos com esse espírito?

No antigo culto romano, havia oferendas e espaço nos altares para os Genii. E no nosso ofício de bruxaria, se queremos estar em paz com o nosso lugar, é bom ter algum carinho para esses gênios. Pense bem: por mais que sua cidade não seja exatamente aquilo que você gostaria, ela tem uma identidade e te provê pelo menos um teto. Sua casa tem uma atmosfera própria e com o tempo, você consegue reconhecer um pouco da identidade dela.

Se ficarmos só pensando em como é boa a vida no campo (uma ideia que surgiu quando um imperador romano pagou um poeta para escrever sobre isso para que o êxodo rural diminuisse, aliás), muitas vezes acabamos desrespeitando o Genius Loci da nossa cidade, que está lá, fazendo das tripas coração para que essa coisa toda não desmorone. Diferentes dos Lare, que estão ligados às famílias e as pessoas, estes são espíritos ligados aos locais.

Conheça um pouco da história da sua cidade, do seu bairro. Observe a arquitetura, as praças ou parques. As estátuas que as vezes se escondem atropeladas pela urbanização. As vezes, muita coisa que pedimos para s deuses são pequenas coisas em que essas deidades locais poderiam ter uma presença muito mais marcante, por serem as vezes parte envolvida no assunto. Está precisando proteger a porta da sua casa? O Genius Loci dela com certeza está interessado que essa proteção dê certo, porque não convida-lo gentilmente a te ajudar?

Quando olhamos o lugar onde vivemos e trabalhamos como algo vivo, nosso ofício de bruxas ganha em intensidade.

imagem: Genius Loci, Charles Mills Gayley, The Classic Myths in English Literature and in Art (Boston: Ginn and Company, 1893)

6 comentários:

Saulo disse...

Recentemente fui a uma cidade chamada Santo Hilário, lá tem um astral melancólico, devido ter sido tomada pelas aguas da represa, a cidade ficou submersa e as pessoas da época algumas suicidaram, acho que isso talvez influencie, apesar de ser um lugar lindo, é cheia de mistérios.

Rô Rezende disse...

Minha terra natal (que na verdade acho que é mais campo que cidade rs), também foi tomada por águas de represa. A cidade foi reconstruída mais para cima, mas quem viveu na que foi submersa ainda chora e conta como tudo era diferente lá. Faz uns 30 anos que aconteceu isso, ou seja, é bem recente.
Até pouco tempo os barcos que passavam na represa ainda enroscavam nas torres da igreja, o cemitério está lá submerso também.
E esse post mais o comentário do Saulo me fizeram pensar, a cidade também é bem melancólica, o povo é parado e sempre tenho uma sensação estranha ao voltar para lá (mesmo amando a cidade e a região). Isso, claro, tem a ver com a história da cidade, mas será que o Genius Loci também não tem ligação com isso? Talvez ele não esteja muito feliz com o rumo que as coisas tomaram ou sei lá. Como podem ser feitas oferendas para ele?

PS: Desculpem o comentário confuso.

Gabriel Careta disse...

Compartilho dos seus pensamentos. Tenho refletido mto sobre isso nos últimos dias...
A casa tem espírito, o escritório tem espírito, o bairro tem espírito, o carro tem espírito e ai da gente qdo nos esquecemos deles!

Gabriel C.
http://jornadadoselg.blogspot.com

Carol Carvalho (ou Carol "Hermione" Yara) disse...

Seu post me lembrou Paraty, a cidade dos meus sonhos... rs. Se tem um lugar que algum dia já me tocou com profundidade por seu Genii (e olha que eu já estive na Itália e em Cuba) foi, sem dúvida nenhuma, Paraty (que aliás prefiro chamar de Paramim, hahahaha). O espírito daquele lugar conversa com minha alma, com minha história, com uma essência que vem do além vida que eu nem sei explicar. Mas que tem isso que você falou... uma magia que lhe é muito particular e que habita o local.

O mesmo, acontece por ex., com uma esquina perto da minha casa, com três coqueiros altos, onde por muito tempo, foi um refúgio no meu início de desenvolvimento com o seu Morcego. A noite, naquelas luas inspiradas, aquela esquina, com aquele singelo gramado e os três coqueiros dispostos como um tridente parecia exalar um espírito próprio muito similar a vibração desse meu guardião. E num lugar, como você falou, que passa absolutamente desapercebido por diversas pessoas que passam por ali (ao lado do estacionamento de um grande supermercado, do outro lado da rua de uma Igreja Universal, veja vocês, rsrsrs).

E é isso mesmo... cantos e locais de magia própria que é muito bacana perceber e reverenciar... =)

Sarah Helena disse...

Estou adorando ver como todos tem histórias de lugares...

Roberta, uma das oferendas mais tradicionais seria leite e "frutos do lugar"...sabe, comidas ou produtos que sejam tradicionais dali,para mostrar mesmo "olha, graças a você somos capazes disto".

Rô Rezende disse...

Filhote de Lua, muito obrigada pelo retorno! Como a região é de gado leiteiro mesmo, vou ver se oferto leite e cambuci. rs...